sábado, 19 de dezembro de 2009

Para pensar...

"Presépio de lata"
Três estrelas de alumínio
A luzir num céu de querosene
Um bêbedo julgando-se césar
Faz um discurso solene
Sombras chinesas nas ruas
Esmeram-se aranhas nas teias
Impacientam-se gazuas
Corre o cavalo nas veias
Há uma luz branca na barraca
Lá dentro uma sagrada família
À porta um velho pneu com terra
Onde cresce uma buganvília
É o presépio de lata
Jingle bells, jingle bells,
Oiçam um choro de criança
Será branca negra ou mulata
Toquem as trompas da esperança
E assentem bem qual a data
A lua leva a boa nova
Aos arrabaldes mais distantes
Avisa os pastores sem tecto
Tristes reis magos errantes
E vem um sol de chapa fina
Subindo a anunciar o dia
Dois anjinhos de cartolina
Vão cantando aleluia
É o presépio de lata
Jingle bells, jingle bells,
Nasceu enfim o menino
Foi posto aqui à falsa fé
A mãe deixou-o sozinho
E o pai não se sabe quem é
É o presépio de lataJingle bells, jingle bells...
(Rui Veloso)

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Meus ventos

Avistam-se ventos fortes, provenientes de várias direcções, que fazem as folhas bailar por entre gotas cristalinas de chuva, ventos que trazem histórias infindáveis.
Como esses ventos me fazem bem, me seduzem, me deixam envolvida por uma serenidade inigualável... ventos que me envolvem que refrescam a minha alma, ventos que levam todos os meus fantasmas para um lugar longínquo em que não existirá retorno possível... apaixonada pelos ventos endiabrados deixo-me levar, num embalo tamanho que me faz levitar. Ventos que tocam a minha boca e roubam de mim a vontade de morrer. Ventos que me queimam de paixão e me matam de tristeza. Ventos que me acenam e me deixam, que correm para longe sem olhar para trás, ventos que voltam sem que eu espere... ventos que deixam de bulir e desvanecem no ímpeto de um sussurro... tão contraditórios os sentimentos que esses ventos apresentam, são ao mesmo tempo agridoce, deixam impregnados em mim alegria e tristeza... como idolatro esses ventos e a calmaria que estes transmitem sempre que tocam de relance a minha pele, sempre que beijam o meu rosto timidamente frágil. Invisíveis e quase que intocáveis, os ventos secam as lágrimas que escorrem pelo meu rosto, levam-nas num veleiro, para bem longe de meus olhos, para outro oceano deixando instaurado em meu peito uma cura imensa.
Adeus ventos… guardem bem meus segredos, minhas preces, e não vos esqueceis de voltar para junto de mim… sei que ireis voltar numa grandeza tamanha, por entre montes e vales, transpondo muralhas imponentes, e trazendo até junto de mim histórias das vossas viagens repletas de magia, e mais uma vez ireis cuidar de mim… até ao dia em que voltareis para longe de meus olhos… deixando pairando no ar um silêncio quase que inquebrável…
Padeço de um amor por esses ventos, que rodopiam por entre meus cabelos cor de trigo e canela… como sois livres, na vossa infindável liberdade, como correis por entre os dedos sem que jamais vos consiga capturar. Mesmo não vos conseguindo aprisionar no meu regaço, ficarei aqui no meu cantinho, de olhar singelo e profundo à espera que volteis de um lugar belo, rasgando o azul do céu como um pássaro de asas douradas…

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Maus hábitos

Um dia encontrei uma grande muralha, de grande porte, que logo à primeira vista se revelava intransponível… Era uma muralha de tal modo elevada que não era possível visualizar o que estava para lá das suas imponentes paredes!
Ao fixar os meus olhos na gigantesca muralha meditava num meio de a transpor… Mas nada me surgia… Sentia a cabeça de tal modo vazia…Naquele exacto momento sentia-me perdida num deserto imenso em busca de um oásis, que saciasse a minha sede! Pensar tornava-se algo complexo, pois como já referi sentia o meu encéfalo desprovido de qualquer tipo de informação…
Foram longos dias a combater o vazio… Nada me ocorria, apenas a imagem mental de uma muralha monstruosamente gigante! Decidi derruba-la através da força, sendo assim empurrei a muralha exercendo toda a força do meu corpo, mas ela não se moveu nem um milímetro… Mais tarde tentei transpor a muralha usando cordas e outros materiais para o efeito… Mas era tão alta e as minhas forças eram deveras escassas.
Amargurada pelas minhas tentativas frustradas sentei-me junto da muralha, cansada de todo o esforço em vão… E ali fiquei sentada, de olhos fechados, enlouquecida pelas imagens que criava mentalmente... e assim fiquei encostada às paredes frias da muralha, a meditar…Tempos mais tarde, após muito meditar compreendi que não era a brutalidade que derrubaria toda aquela muralha, mas sim a força interior…
As respostas para todas as nossas muralhas encontram-se depositadas no interior da nossa alma! Cabe a cada um de nós descodificar e compreender todos esses sinais. Não vale a pena pensar na altitude da muralha…. Não vale a pena continuar a somatisar… Por vezes é melhor nem sequer pensar na sua existência… Assim, perante as nossas muralhas devemos fechar os olhos, abstrair-nos de tudo o que nos rodeia e confiar na nossa força interior, erguer as mãos e seguir em frente, sem medo, sem desgastar o pensamento!
Perante tudo o que foi referido só me resta mesmo concordar com Alberto Caeiro quando refere que “pensar é estar doente dos olhos”, sendo assim considero que é preferível não olhar com tanta fome, pois quanto mais olhamos maior é a sede de pensamento, maior é o processo de reflexão, e como é sabido o ser humano tem o mau hábito de tentar esmiuçar tudo, até ao tutano… Deixemos portanto o pensamento correr como um ribeiro entre os rochedos, e deixemos os olhos fechados para evitar que estes sejam feridos… Em suma, há que enfrentar todas as muralhas da nossa vida usando toda a nossa energia interior, e derruba-las como se não passassem de meras bolas de algodão.